O TESTEMUNHO NA ERA BIOPOLÍTICA REFLEXÕES SOBRE A EXCLUSÃO, A VIOLÊNCIA E A VIDA NUA
Resumo
A literatura durante muito tempo foi considerada, de um ponto de vista humanista, como um dos principais meios de formação de um indivíduo voltado para a convivência em uma sociedade calcada na ética e em ideais democráticos. A literatura seria, assim, parte do estudo e estaria do lado da razão na luta contra a obscuridade, o irracionalismo e a força bruta. As Letras também seriam parte essencial na construção e defesa do espírito, em oposição ao sensualismo bruto e às necessidades corporais. Essa visão da literatura como algo antes de mais nada edificante, no entanto, está longe de ser a ótica única sobre o tema. Isso se dá porque a própria noção de literatura é relativamente recente. Ela é uma criação do Iluminismo tardio e sobretudo do Romantismo. O interessante é observar como no mesmo momento em que se delineou essa visão edificante e educativa da literatura, muitas obras da época apontavam justamente para uma superação dessa visão humanista que reduz a literatura a um meio “ortopédico”. Trata-se aqui da famosa dialética entre o conhecimento, ou seja, o conceito, e, por outro lado, o mundo dos fenômenos: o conceito sempre chega “tarde demais”, na despedida do real. Quando se estabelece a moderna noção de literatura como meio de formação do indivíduo e também, não esqueçamos, como importante meio de formação e construção da nação, no início do século XIX, obras literárias cada vez mais já passavam a explorar justamente o elemento que nega a possibilidade de se estabelecer um conceito monolítico de indivíduo e, por tabela, de nação. Desde então, as obras literárias passaram mais e mais a explorar a carne sobre a qual as letras e o próprio espírito se constituem.